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Fogos de artifício: um breve passeio sobre suas consequências e perspectivas no ruído urbano

É comum que durante as festividades de fim de ano as polêmicas em torno de fogos de artifício e os danos causados pelo seu uso venham novamente à tona. Apesar dessa polêmica ser relativamente nova no Brasil, já percebemos avanços significativos na consciência da população e um forte crescimento na demanda por fogos de artifício “silenciosos”, impulsionados principalmente pelos eventos organizados por órgãos públicos. Neste artigo discutiremos sobre os níveis de pressão sonora gerados por fogos de artifício, os seus efeitos e perspectivas futuras.


Quais os tipos de fogos de artifício disponíveis hoje no mercado?

Embora saibamos intuitivamente o que são e como funcionam os fogos de artifício, é importante pontuarmos algumas questões sobre as suas categorias a fim de evoluirmos com a nossa discussão aqui neste artigo.


De um modo geral, fogos de artifício podem ser divididos em 4 categorias: F1, F2, F3 e F4. As categorias F1 e F2 são comumente aquelas que explodem no nível do solo, ou seja, são os fogos de artifício, em geral, mais utilizados por crianças em épocas festivas e geralmente apresentam menores graus de periculosidade. Porém, ainda acontecem inúmeros acidentes relacionados ao uso não supervisionado de fogos de artifício deste tipo por crianças. Em especial queimaduras da pele.


Por possuírem menos material explosivo em seu interior, estes fogos também produzem níveis de pressão sonora menores. Mas diferentemente dos fogos de artifício aéreos, fogos de artifício que explodem no nível do solo estão, em geral, a distâncias menores das pessoas, o que pode representar um perigo em potencial para a saúde auditiva de crianças e animais já que estes possuem um aparelho auditivo mais sensível que os de seres humanos adultos.


Neste artigo, no entanto, nos concentraremos nos dados disponíveis na literatura sobre os fogos de artifício de classes F3 e F4 que são, em geral, aqueles fogos de artifício cuja explosão acontece muito acima do nível do solo. Ou seja, são os denominados fogos de artifício aéreos.


Fogos de artifício da categoria F3 são aqueles disponíveis para o público geral e, geralmente, atingem alturas menores que os da categoria F4 e também atingem níveis de pressão sonora menores no ponto da explosão. É importante ressaltar que embora estes fogos apresentem um potencial explosivo menor que aqueles da categoria F4, eles são igualmente perigosos para a saúde auditiva.


Os da categoria F4, no entanto, são vendidos apenas para empresas especializadas em fogos de artifício como aquelas contratadas pelas prefeituras de muitas cidades no Brasil para prestar o serviço de pirotecnia. Eventos para comemoração do ano-novo como os promovidos pelas prefeituras do Rio de Janeiro e Balneário Camboriú, por exemplo, possuem festivais de pirotecnia que podem durar vários minutos.

O que sabemos sobre os níveis de pressão sonora gerados por fogos de artifício?

Em um experimento feito por Kukulsky et. al. [1], foram analisados os níveis de pressão sonora gerados por fogos de artifício da categoria F3 medidos em curva de ponderação A e tempo de integração impulsivo. Apesar dos níveis de pressão sonora medidos não representarem a totalidade dos fogos de artifício encontrados nesta classe, já podem nos dar uma boa referência do nível de pressão sonora esperado a um metro do local onde ocorreu a explosão.


Os valores encontrados pelos autores indicam um nível de pressão sonora máximo aproximado de 158 dB(A) no local da explosão. Este nível, no entanto, é irreal por representar um ouvinte posicionado a um metro do dispositivo no momento da sua explosão, o que na prática dificilmente ocorreria. Para encontrar valores mais reais, podemos usar este dado para estimar o nível de pressão sonora que um usuário estaria exposto caso a explosão ocorresse a 50 metros do nível do solo.


Tomando a fonte sonora como pontual e a distância entre fonte e receptor como 50 metros, o nível de pressão sonora máximo a que um usuário estaria exposto ficaria próximo a 124 dB(A). É importante notar neste momento que o nível máximo recomendado pela OMS a que uma pessoa poderia estar exposta é 120 dB(A). Acima desse nível o receptor poderia experimentar episódios de dor e perda permanente da audição.


Para que o nível de pressão sonora fique abaixo do limite de 120 dB(A), a distância entre fonte e receptor idealmente teria que dobrar, ou seja, a distância deveria passar para aproximadamente 100 metros, o que geraria um nível de pressão sonora máximo de 118 dB(A) no ouvido do receptor.


O principal problema com fogos de artifício desta categoria é que dificilmente o ponto de explosão acontece em alturas maiores que 50 metros, restando assim a evidência de que mesmo que por uma fração de segundo, a exposição a níveis de pressão sonora tão altos podem sim trazer danos significativos e muitas vezes permanente ao aparelho auditivo. O problema torna-se ainda maior quando consideramos a sensibilidade do aparelho auditivo de crianças e alguns animais como cães e gatos.


Em fogos de artifício da categoria F4, cujo manuseio é restrito a profissionais licenciados, os pontos de lançamento dos foguetes situam-se, tipicamente, em locais afastados. Em cidades litorâneas, por exemplo, balsas são comumente utilizadas para o lançamento dos dispositivos. Dispositivos de tamanho 3 podem atingir alturas próximas a 120 metros enquanto que dispositivos de tamanho 4 podem atingir alturas da ordem de 160 metros.


Em um outro experimento realizado por Tanaka et. al. [2], os níveis de pressão sonora gerados pelos fogos de artifício de categoria F4 foram medidos no nível do solo. Neste trabalho os dados foram apresentados em termos de nível de pressão sonora equivalente (LAeq), sendo encontrado um nível de pressão sonora de 101 dB(A) no ponto de medição localizado a 102 metros do ponto de lançamento para um dispositivo do tipo 3 cuja explosão estima-se que tenha ocorrido a 120 metros do solo.

Figura 1: Distâncias aproximadas entre os ouvintes e fogos de artifício de categorias F2, F3 e F4

Embora o nível de pressão sonora ainda seja consideravelmente alto no estudo feito utilizando fogos de artifício do tipo F4, seu potencial de dano ao aparelho auditivo ainda é muito menor que os fogos de artifício domésticos do tipo F3 devido à distância entre os receptores e o ponto de explosão desses dispositivos. O que apenas ressalta o perigo de manusear fogos de artifício não só com relação a queimaduras, mas também com relação ao dano que pode ser causado no aparelho auditivo.


Os fogos de artifício e suas consequências

Em 2010, um curioso evento em uma festa de ano-novo na cidade de Berbee, no Arkansas, mais uma vez reacendeu a polêmica sobre fogos de artifício. Segundo o jornal The New York Times, 5000 pássaros da espécie melro-preto morreram após os fogos de artifício gerarem uma dispersão em massa dos pássaros. A espécie melro-preto de asas vermelhas, a mais atingida pelo incidente, é conhecidamente uma espécie com pouca visão noturna, o que fez com que os 5000 pássaros em fuga se chocassem contra árvores, casas e chaminés. O incidente ainda causou a morte de outros 500 pássaros de espécies variadas em circunstâncias parecidas [3, 4].


Outros especialistas ainda defendem a ideia de que fogos de artifício geram a fuga de outros animais selvagens que podem correr para as ruas e serem atropelados por veículos, além de gerarem estresse em animais domésticos, o que pode vir a encurtar a vida de alguns animais de estimação e gerar ataques de pânico que muitas vezes tem como consequência a fuga desses animais das suas casas.


A preocupação, no entanto, vai bem além das consequências dos fogos de artifício na saúde auditiva de crianças e na saúde dos animais. Em um artigo publicado em 2018 por Valentinuzzi [5], são mostradas algumas evidências dos danos causados também em crianças com autismo, síndrome que tem como uma das suas principais características a hipersensibilidade sensorial.


Fogos de artifício podem causar dor, estresse e até mesmo ataques de pânico em crianças diagnosticadas com autismo, o que pode levá-las a fugir de suas próprias casas, se perder ou até mesmo causar um acidente durante um ataque de pânico. Embora o autismo ainda seja uma realidade distante para muitos brasileiros, a Sociedade de Autismo estima que uma em cada 68 crianças nos Estados Unidos apresenta a síndrome do autismo em algum grau [5].


Fogos de artifício "silenciosos"

A solução, no entanto, parece mais próxima do que podemos imaginar. Em 2015 a cidade de Collecchio, na Itália, criou uma lei permitindo apenas o uso de fogos de artifício silenciosos, sendo pioneira no continente Europeu a tomar esta medida. A cidade foi então seguida por outras cidades da Europa e também do Reino Unido onde eventos que se utilizam de fogos de artifício próximos a residências estão sendo obrigados a utilizar a sua versão silenciosa.


A tecnologia, embora pareça nova para muita gente, não é novidade no mercado de fogos de artifício. Rino Sampieri, dono de uma empresa de distribuição de fogos de artifício, declarou em 2016 que a versão silenciosa tem sido vendida no mercado há pelo menos 30 anos [3].


No Brasil, alguns municípios como Navegantes, em SC, e Brasília, DF, já possuem leis específicas que tratam sobre o uso de fogos de artifício ditos excessivamente ruidosos e, seguindo a mesma direção, alguns outros municípios escolheram utilizar em suas festividades apenas fogos silenciosos, mas sem proibir o uso dos fogos de artifício comuns.


Os fogos de artifício silenciosos são aqueles cujo nível de pressão sonora, quando medido a 15 metros do ponto de explosão, não excede o valor de 120 dB(A). A ideia por trás desta tecnologia é, em poucas palavras, o uso de menos explosivos, o que faria o estouro do dispositivo ser menos ruidoso que os demais. Alguns especialistas ainda defendem que existem consequências para isso e uma delas é a limitação da visibilidade do efeito pirotécnico, o que restringiria o evento a um número menor de pessoas.


O benefício, no entanto, excede muito a limitação dos fogos de artifício “silenciosos”. O nível de pressão sonora gerado por um dispositivo desta categoria pode chegar a meros 70 dB(A) nos ouvintes, o que significa uma redução significativa no nível de pressão sonora gerado por fogos de artifício. Para fins de comparação, níveis entre 60 e 70 dB(A) são os níveis esperados produzidos pela voz humana em uma conversação normal.


No Brasil e no mundo ainda existe muita margem para evolução com relação aos fogos de artifício silenciosos. Mas uma vez popularizados, dificilmente veremos um retorno em direção aos fogos de artifício comuns. Esperamos que as leis e a consciência da população evoluam nos próximos anos e que finalmente possamos responder a pergunta do senhor Valentinuzzi “Are we acting like civilized people?” [5] com um sonoro “Yes, we are.”.


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Referências:

[1] KUKULSKI, Bartłomiej; WSZOŁEK, Tadeusz; MLECZKO, Dominik. The Impact of Fireworks Noise on the Acoustic Climate in Urban Areas. Archives of Acoustics, v. 43, n. 4, p. 697–705, 2018.


[2] TANAKA, Tagayasu; INABA, Ryoichi; AOYAMA, Atsuhito. Noise and low-frequency sound levels due to aerial fireworks and prediction of the occupational exposure of pyrotechnicians to noise. Journal of occupational health, p. 16-0064-OA, 2016.


[3] ‘Quiet Fireworks’ Promise Relief for Children and Animals. Disponível em: <https://www.nytimes.com/2016/07/01/science/july-4-fireworks-quiet.html>. Acesso em: Dezembro de 2020.


[4] For Arkansas Blackbirds, the New Year Never Came. Disponível em: <https://www.nytimes.com/2011/01/04/us/04beebe.html>. Acesso em: Dezembro de 2020.


[5] VALENTINUZZI, Max E. Fireworks, Autism, and Animals: What\" Fun\" Noises Do to Sensitive Humans and Our Beloved Pets [Retrospectroscope]. IEEE Pulse, v. 9, n. 5, p. 37-39, 2018.

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