Este texto disserta brevemente sobre metamateriais acústicos e como eles ajudam a resolver o problema da espessura x absorção em baixas frequências, no âmbito da acústica de salas.
O Problema da Absorção em Baixas Frequências
Um dos grandes problemas na acústica de salas é o controle de baixas frequências [1]. Esse controle se dá por meio do isolamento acústico, quando se quer impedir que o ruído entre ou saia de determinado cômodo (por exemplo: casas de show devem ser isoladas acusticamente para garantir que os vizinhos não vão ser incomodados), ou por absorção, quando se quer garantir que o ambiente acústico dentro de determinado recinto será agradável e propício para a atividade para a qual o lugar foi planejado (por exemplo: em salas de aula deve-se ter absorção suficiente para garantir que a fala do professor seja inteligível) [2].
Para exemplificar melhor o caso da necessidade da absorção, imagine que você está de mudança e remova o sofá da sala e as camas dos quartos. Você, agora com os espaços vazios, percebe que, quando fala, ouve seu próprio eco. Isso ocorre porque o sofá e as camas estavam se comportando como materiais absorventes ao som. Quando você falava, a onda sonora gerada pela sua voz era absorvida por esses materiais e nenhum (ou pouco) eco era ouvido. Com a ausência dos materiais de absorção, a onda sonora agora “bate” nas paredes, piso e teto e retorna ao seu ouvido, sendo pouco absorvida.
O controle da absorção, assim, é feito com o auxílio e emprego de materiais porosos e/ou fibrosos. O seu sofá funciona como material poroso, como o mostrado na Figura 1.
Os poros desses materiais funcionam como obstáculos para a onda sonora. Para se propagar, esta precisa percorrer esses caminhos, como se estivesse dentro de um grande labirinto e sempre tendo que decidir qual o melhor caminho a se tomar. Em cada contato e fricção com as paredes porosas, parte da energia sonora é perdida. Esse é o mecanismo básico da absorção.
O seu sofá, apesar de absorver o som, é um tipo de espuma genérica. Existem espumas feitas especificamente para maximizar a absorção, como a melamina mostrada na Figura 1 e como os painéis de espuma que comumente vemos em estúdios de gravação. Existem também painéis feitos como materiais fibrosos, como sisal e fibra de côco [4], e sua eficácia para absorção acústica tem sido extensivamente testada ao longo das últimas duas décadas [5].
A absorção ocorre por frequências, de forma que um mesmo material absorve o som de formas diferentes em frequências diferentes. Uma curva de absorção típica para a lã de rocha é mostrada na Figura 2.
O gráfico da Figura 2 nos mostra que o coeficiente de absorção, no eixo vertical y, varia com a frequência, no eixo vertical x. Temos, ainda, duas curvas: uma para um painel com espessura de 25 mm e outra para um painel com espessura de 50 mm, ambos feitos de lã de rocha, que é um material comumente utilizado em painéis acústicos.
Para 250 Hz, por exemplo, o painel de 25 mm absorve aproximadamente 20% da energia sonora, já que seu coeficiente de absorção gira em torno de 0,2. O painel com 50 mm, no entanto, absorve um pouco mais de 80%, já que seu coeficiente de absorção é de aproximadamente 0,8. Isso é 4 vezes do que o painel de 25 mm, e apenas dobramos a espessura!
Olhemos agora para 125 Hz: a diferença entre os valores de absorção de um painel para o outro é muito pequena, ambas girando em torno de 0,2 (ou 20%), enquanto que a partir de 2000 Hz as curvas são praticamente iguais. O que tudo isso nos diz? Ora, podemos deduzir algumas coisas:
De forma geral, materiais mais espessos possuem um coeficiente de absorção maior ao longo das frequências (de 125 Hz até 4000 Hz a curva de absorção do material de 50 mm está sempre acima da curva do material de 25 mm);
Em baixas frequências (125 Hz), a absorção tem uma variação muito pouca de um painel para outro, mesmo que sua espessura dobre;
Para um mesmo painel em um determinado intervalo de frequências, os coeficientes de absorção serão, de forma geral, diferentes para cada uma das frequências;
Em frequências mais altas, não há diferença nos valores da absorção para diferentes espessuras.
Todos estes pontos podem ser resumidos em duas sentenças:
“A quantidade de energia sonora absorvida, indicada pelo coeficiente de absorção, depende
da espessura do material.” e “Quão maior a espessura de um material, maior a absorção em baixas frequências.”
Obviamente, a espessura não é o único parâmetro responsável pelo valor do coeficiente de absorção. Fatores como a forma e tamanho dos poros, bem como sua distribuição, também afetam a quantidade de energia absorvida [7]. Os fatores são vários, mas, para este texto, vamos focar apenas na espessura.
Esse jogo entre coeficiente de absorção, espessura do painel e frequência a ser absorvida se deve ao fato de que a velocidade da onda é máxima em ¼ de seu comprimento. Para ilustrar esse conceito, que aparenta ser complicado, mas não é, observemos a Figura 3, que indica a amplitude de uma onda, no eixo vertical y, e seu comprimento, no eixo horizontal x.
A partir da figura, é possível perceber que, de fato, a amplitude é máxima em ¼ do comprimento de onda. Assim, se quisermos maximizar a perda de energia e, consequentemente, aumentar o coeficiente de absorção, devemos agir no ponto onde a energia da onda é máxima. Fundamentalmente, este limite de ¼ do comprimento de onda é imposto pela Natureza.
A velocidade e o comprimento de onda são dados por
(1)
na qual v é a velocidade, lambda é o comprimento de onda e f é a frequência. Sabemos que, no ar, a velocidade do som é de 343 m/s. Assim, podemos determinar lambda como sendo
(2)
Se a absorção de determinado painel de espessura L é máxima para um quarto do comprimento de onda, temos que o valor de L será
(3)
Para 100 Hz, por exemplo, teríamos de ter um material com espessura de 86 cm para termos um coeficiente de absorção de 1 (ou 100%).
É importante ressaltar que estamos falando de espessura, e não de comprimento ou largura do material. Ou seja, para absorver em 100 Hz em uma parede de uma sala, digamos, teria de haver 86 cm de material entre um observador e a parede dessa sala. Se a sala for pequena, ter 86 cm de espaço “perdido” dificilmente é aceitável. Este é o “problema das baixas frequências para acústica de salas”. Importante lembrar: no contexto de acústica de salas, frequências abaixo de 1000 Hz são consideradas “baixas”.
Metamateriais resolvem o problema da espessura, mas, antes de vermos como, precisamos definir o que eles são.
Metamateriais: O que são, afinal?
Há divergências sobre uma definição global da palavra “metamaterial”, pois várias disciplinas, além da acústica, utilizam “metamateriais”. De fato, o primeiro “metamaterial” que surgiu na literatura científica foi na área da eletrodinâmica, em 1968 [8], enquanto que, na acústica, o primeiro “metamaterial acústico” surgiu apenas no ano 2000 [9].
Apesar da dificuldade em uma definição, cada um (ou a esmagadora maioria) dos metamateriais que apareceram na literatura compartilha alguns dos - se não todos - pontos a seguir:
É composto por uma estrutura geométrica padrão, chamada de célula unitária;
Possui periodicidade, isto é, a célula unitária se repete várias vezes, formando uma estrutura periódica;
O conjunto de célula unitária e periodicidade apresenta propriedades físicas que não ocorrem espontaneamente na natureza.
Poderíamos, assim, traçar uma definição: “metamaterial é uma estrutura geométrica periódica que apresenta propriedades físicas que não ocorrem espontaneamente na natureza”.
Para ilustrar os pontos 1 e 2, um exemplo claro de célula unitária e estrutura periódica é mostrado na Figura 4. A célula unitária é a estrutura que se repete, isto é, um cilindro principal com cilindros secundários periodicamente espaçados de forma perpendicular ao seu eixo. Neste caso, temos três células unitárias.
Outro ponto importante: a geometria de cada metamaterial varia totalmente a depender do tipo de física que se quer abordar e como se quer abordar. Ainda, tal geometria é definida por cada cientista e grupo de pesquisa, de forma que dois metamateriais podem servir à mesma finalidade e ter formas/geometrias completamente diferentes. Veja alguns exemplos ao longo deste texto.
O ponto 3, apesar de parecer estranho, pode ser analisado, por exemplo, tomando a Equação (3): o L ótimo precisa necessariamente ser igual a 1/4 do comprimento de onda para que a absorção seja máxima em determinada frequência, e este é o limite imposto pela Natureza. Assim, qualquer material que apresente 100% de absorção em determinada frequência, mas que possua uma espessura diferente de 1/4 de comprimento de onda para esta frequência, está de acordo com o ponto 3, isto é, é um material cuja relação espessura x frequência x absorção não respeita o limite de imposto pela Física.
Vamos ver a seguir que isso não só é possível como o esse limite já foi superado.
Metamateriais e Metasuperfícies como Soluções para o Problema da Espessura
Várias estratégias e tipos de geometrias vêm sido discutidas na literatura visando resolver o problema da espessura [11-13]. Nesse texto vamos focar no conceito de space coiling, ou “dobra de espaço”, em tradução livre. Vimos que os poros de determinados materiais, como lã de rocha e melamina, possuem capacidade de absorver o som. É possível, também, fabricar poros que são nada mais nada menos do que cilindros ou canais que, com as dimensões corretas, também absorvem o som em dada frequência. Um bom exemplo é o da Figura 5: os poros são todos cilíndricos e possuem uma forma regular. Tanto estes como os da Figura 1 possuem capacidade de absorção em determinadas frequências.
O conceito de dobra de espaço é muito simples: no lugar de usar o poro “reto”, como na Figura 5, podemos literalmente dobrá-lo ao longo de seu eixo e, contanto que o seu comprimento permaneça o mesmo, as propriedades de absorção acústica se conservam. A ideia realmente é simples, mas possui implicações incríveis. Um exemplo é mostrado na Figura 6.
Na Figura 6, os poros são dobrados formando uma espiral retangular. A espessura t + w é de 12,2 mm e 100% da energia sonora é absorvida em 125,8 Hz. Se utilizarmos a Equação (2) para determinar o comprimento de onda, temos que
(4)
Fazendo L = t + w = 12,2 mm = comprimento de onda / x, temos que x = 224, ou seja, a espessura do material atinge uma relação de 1/224 em relação ao comprimento de onda! Isso é muito superior ao limite de um quarto do comprimento de onda inicialmente pensado. É importante lembrar ao leitor que L sempre foi adotado como sendo a espessura do painel, e não como o comprimento do poro. Por ter uma espessura tão pequena em relação ao comprimento de onda, esse tipo de geometria também é chamado de metasuperfície.
Você deve estar se perguntando: mas então é só dobrar os poros que teremos 100% de absorção? A resposta é: não. É necessário otimizar as dimensões do poro e do painel para que o resultado de 100% de absorção seja obtido. A otimização é feita por meio de algoritmos e precisa levar em conta, obviamente, a frequência que se quer absorver.
Se compararmos a Figura 2 com a Figura 6, podemos constatar que painéis de espuma ou fibra absorvem em um intervalo muito grande de frequências, mas são muito ineficazes em frequências baixas, enquanto que as metasuperfícies absorvem bastante energia em frequências baixas, mas apenas em uma determinada frequência (aquela para a qual a otimização foi realizada). Outros tipos de geometria tentam abordar esse problema, conforme mostrado na Figura 7.
Esse tipo de geometria é fabricado por meio de impressão 3D. Com isso, as frequências de absorção não podem ser mudadas após a fabricação, já que cada um dos poros foi otimizado e precisa manter suas dimensões para que o efeito de absorção funcione como esperado.
Na Figura 7, a absorção inicia a partir de 560 Hz. Se o material é fabricado e depois descobre-se que absorção a partir de 400 Hz é necessária para tratar determinado ambiente (digamos que o proprietário do metamaterial vai se mudar e precisa tratar uma nova sala em seu novo empreendimento), é preciso otimizar e fabricar outra célula unitária.
Alguns tipos de design buscam fazer com que a geometria seja modular, de forma que a célula unitária forneça absorção em mais de uma frequência e de forma que o usuário possa trocar as frequências cuja absorção máxima ocorre, modificando apenas uma parte da célula unitária e sem a necessidade de fabricar tudo novamente. Isso é mostrado na Figura 8.
Na Figura 8 (a) é mostrada a célula unitária, que é composta por dois poros dobrados e, portanto, absorve em duas frequências diferentes, uma para cada poro. O painel frontal possui as duas entradas dos canais (os quadrados no front panel), nas quais incide a onda sonora.
Se o perímetro dessas duas entradas muda, a frequência na qual a máxima absorção ocorre também muda. Assim, para essa geometria, um dos fatores a se levar em consideração na otimização é o perímetro da entrada de cada poro. Desta forma, se o usuário precisa mudar as frequências de absorção máxima, basta substituir o painel frontal por outro cujo perímetro das entradas, igualmente otimizados, correspondam às frequências desejadas, e acoplar este novo painel frontal às outras partes célula unitária, após remover o antigo.
Apesar de ser modular, no entanto, esta geometria possui a limitação fundamental de absorver em apenas duas frequências diferentes, sendo necessário sua combinação com espumas e/ou outros metamateriais, a depender da situação que se quer abordar.
Conclusões
Metamateriais são estruturas periódicas com características que geralmente não ocorrem espontaneamente na natureza. Entre suas aplicações, encontra-se a absorção acústica. Diversas geometrias vêm sido extensivamente trabalhadas e abordadas na literatura, cada uma com sua particularidade. O fato de resolverem o problema da absorção em frequências baixas (f < 1000 Hz) faz com que sua aplicação em situações reais seja considerada e já praticada em alguns poucos casos. Nenhuma solução é perfeita e depende de cada caso a ser resolvido ou sala a ser tratada, geralmente tendo de ser utilizados em conjunto com espumas e outros materiais para se atingir o resultado desejado. O grande número de geometrias distintas, o elevado custo de fabricação em larga escala e a necessidade de otimização para cada situação são barreiras para sua aplicação no cotidiano em larga escala. Entretanto, fornecem uma boa perspectiva nas possibilidades de diferentes soluções para diferentes problemas em acústica e outras áreas da ciência.
Este artigo foi uma colaboração feita por:
Augusto Carvalho de Sousa é mestre em Acústica e Vibrações pela UFSC e engenheiro civil pela UFCG, com graduação-sanduíche em Engenharia de Áudio e Acústica na Universidade de Salford, Inglaterra. De 2017 a 2020 foi Marie Curie Fellow na KU Leuven, Bélgica, atuando como pesquisador em metamateriais acústicos.
Referências:
[1] BIES, David A.; HANSEN, Colin; HOWARD, Carl. Engineering noise control. CRC press,
2017.
[2] ROSSING, Thomas (Ed.). Springer handbook of acoustics. Springer Science & Business Media, 2007.
[3] ZHANG, Rui et al. Nitrogen/oxygen co-doped monolithic carbon electrodes derived from melamine foam for high-performance supercapacitors. Journal of Materials Chemistry A, v. 6, n. 36, p. 17730-17739, 2018.
[4] DA SILVA, Claudia Cilene Bittencourt et al. Sound absorption coefficient assessment of
sisal, coconut husk and sugar cane fibers for low frequencies based on three different
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[12] CHEN, Shuang et al. A review of tunable acoustic metamaterials. Applied Sciences, v. 8,
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